Um vento frio insistia em entrar pela janela do quarto, deixando sua pele arrepiada e ainda assim a preguiça era maior e ela não levantou para fechar. Puxou o edredom e se cobriu até a orelha, o que trouxe um sentimento de infância. Sorriu.
Fechava e abria os olhos como se fosse suficiente para frear seus pensamentos. Encarava a parede mal pintada e se concentrava para não pensar. O que, claro, fazia com que pensasse ainda mais.
Ele estava sentado no sofá com o notebook no colo tentando trabalhar. A casa estava escura e abafada, o silêncio era quebrado pela televisão ligada em um filme sem sentido e o barulho dos seus dedos batendo no teclado. E como se passasse um vento, tímido e discreto, e soprasse a imagem dela em sua cabeça, pronto, ela veio. As lembranças atravessavam seus olhos diante da tela do computador.
Percebeu que não conseguiria dormir, era completamente em vão esperar o sono chegar. Se levantou, finalmente fechou a janela e foi pra cozinha. Um copo d'água primeiro, depois uma cerveja, se convencendo de que era pra ajudar com a insônia. Sentou na cadeira azul, acendeu um cigarro e admitiu. Não era insônia, era saudade acumulada. A cada gole da cerveja, uma mistura de raiva e indignação. Depois de tanto tempo, o que ele veio fazer aqui, na minha cabeça?
Não deu nem tempo de reclamar com as lembranças e ele já estava lá, usando as redes sociais pra investigar. Afinal, não é isso que as pessoas fazem? Pronto, era isso, precisava ver aquele sorriso pra lembrar da gargalhada e de como ela emburrava com facilidade. Percebeu que mudou o cabelo mas o resto continuava a mesma coisa, era a mesma menina de tantos anos atrás, sorrindo na tela. Os dedos começam a coçar de vontade de escrever, mas ela poderia nem responder. O medo maior era: E se ela responder?
E lá se foram três cigarros, a cerveja acabou. Vai até a geladeira e procura outra, não encontra. Revira os armários porque agora se convenceu de que precisa de álcool pra lidar com esses pensamentos sem nexo. Encontra uma garrafa antiga de uísque, despeja num copo e aceita que a noite será longa. Dando espaço às lembranças que estavam entrando por uma frestinha já escancarou de vez a porta, pegou seu celular e colocou aquela playlist antiga, quase proibida, pra tocar. Quer lembrar? Então vai, agora aguenta!
Ainda estava lá, parado na mesma foto, encarando o sorriso que um dia foi pra ele. Eram muitos sorrisos, muitas palavras, músicas, brigas, lágrimas, sexo com um amor que transbordava. Tudo nela transbordava, o que nem sempre era motivo para elogio, ele fez questão de lembrar. Foi passando as fotos na esperança de descobrir tudo que aconteceu com ela durante esses anos. Precisava saber. E a vontade foi crescendo e incomodando. Arriscando que ela ainda tivesse o mesmo número, digitou rápido e enviou antes que tivesse tempo pra arrependimentos. -Oi?
Ela estava na quarta música da playlist proibida, no cigarro que já perdeu as contas e na mesma bebida que dava arrepio a cada gole. A música foi interrompida. Não é possível. Ficou olhando pra tela do celular, aquela palavra tão pequena e insignificante. Não reconhecia o número mas sabia. Ela simplesmente sabia. Foda-se. -Oi...
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