Olhos nos olhos


Quantas vezes era a última carta? Quantas vezes não seria o último encontro, a nossa última vez? O último beijo aconteceu repetidamente. Quantos últimos abraços tomados de dor e tristeza que se confundiam com raiva e amor? Foi com você que aprendi a sentir tudo de uma vez, tudo misturado, forte, intenso. Ver seu carro passar me dava calafrios. Sua presença despertava uma dúzia de diferentes sensações e sentimentos em mim. Meu corpo sentia você mesmo longe. E no domingo chuvoso, tanto tempo depois, ler os versos do Neruda riscados naquele livro que ficou pra trás, me deu vontade de chorar.

Quando é sobre você, fica difícil até colocar em palavras. Minha cabeça gira em memórias, sentimentos, faltas, excessos. Tudo isso que você me causa nunca foi fácil de explicar, muito menos de sentir. A pessoa que eu fui enquanto existia um "nós", nunca mais apareceu. A menina apaixonada, de palavras doces, lágrimas frequentes, dor e amor transbordantes nunca mais teve vez. Cansou, se escondeu, perdeu a razão de ser de novo. Acho que você ficou com essa parte de mim, como se ela existisse só enquanto éramos nós.

Nós, nós. Nunca houve "nós". Era uma menina carregando um amor do tamanho do mundo e um cara. Um cara difícil de decifrar, de ler. No silêncio da gente, no mundo que criamos, eu parecia te conhecer como mais ninguém no mundo. E em muitos momentos realmente acreditei nisso. Eu era tão sua, você tão meu e nosso amor tão nosso. Eu não podia querer nada além daquilo, nada diferente. Realmente era um jeito tão sem defeitos que você conseguia fingir que, lembrando agora, assusta. E cada dia que passa, quanto mais velha eu fico, mais certeza tenho de que pouco era real.

Eu idealizei verdades, sentimentos, transformei sexo em amor e fechei os olhos para o que você era de verdade. Me deixei levar por palavras bonitas, gestos românticos, promessas e lágrimas que caiam tão facilmente dos seus olhos tristes. E repetia incansavelmente pra mim mesma o quanto eu te amava, que éramos o par perfeito, a prova da existência do amor à primeira vista. Me achava tão sortuda e crente de que as pessoas não apoiavam a gente porque não entendiam nada de amor, não tinham conhecido o amor de verdade, como era o nosso.

Escrevendo essas palavras hoje eu sinto muito por aquela menina. Há alguns anos, se me perguntassem, eu diria que passaria por tudo de novo. Diria que foi aprendizado, que apesar de tudo valeu a pena o quanto eu senti, aprendi, vivi com você. Mas hoje tenho minhas dúvidas. Não sei se realmente vale a pena a gente se enganar tanto, se deixar enganar, se desencantar do amor, desacreditar das pessoas. Hoje eu faria diferente. Hoje eu não sou a mesma. E me pergunto se você ainda é ou se alguma parte sua se tornou melhor. Espero que sim, mas pra nós... tarde demais.

Chuva mansa


A lembrança do seu beijo faz pirraça e aparece na manhã de segunda, no meio do expediente. A ideia de trabalhar até mais tarde se desfaz, as pessoas passam por mim em câmera lenta e no mudo, porque sua presença não deixa espaço pra mais nada nem ninguém. Você, mesmo de longe, transforma meu dia em um filme de comédia romântica meio cult com trilha sonora maravilhosa repleta de música brasileira, daquelas boas que merecem suspiros.

Meu celular vibra no canto da mesa e é você com mensagem provocante às 11 da manhã. Adianto meu horário de almoço e saio com pressa pra te encontrar, me sentindo um adolescente com algumas borboletas no estômago e no coração. Vou direto para a sua casa, o porteiro me anuncia, elevador que demora, ansiedade tomando conta, conversa fiada com a vizinha e finalmente sua porta. 505. Quando penso em tocar a campainha, percebo que já está aberta. 

Entro na sala, seu cheiro denuncia que está no quarto, corro e te vejo, te beijo, te cheiro, te aperto, te sorrio. Você pula em mim, enrosca as pernas no meu quadril de um jeito moleca que nunca vi em outra mulher que já passou dos 30. Me beija dizendo que demorei, te jogo na cama, tiro sua blusa enquanto você já puxa a minha me arranhando. Minha boca procura seu pescoço e seu corpo que está mais quente que meus pensamentos, te atravesso, perco o rumo, me encontro.

Quantas coisas antes de você eu já vivi, quantos amores, quantos encontros, desencontros, certezas desfeitas, paixões loucas. Mas você, com você, é tudo sem filtro, avassalador, sua presença preenche tudo, seu riso corta o trânsito caótico lá fora, a chuva amansa para te ouvir dizer meu nome suado que na sua boca vira poesia, verso, prosa, rima e música. Eu te olho saindo da cama e desacredito desse sentimento todo que me invade. Você me consome, cada canto de mim é completamente seu.

Eu sei que como todo furacão, você vai passar. Vai embora, cedo ou tarde, deixando suas marcas, seus estragos. Sua ida já estava anunciada no momento em que chegou e é sempre tão nítido. Cada encontro nosso tem gosto de primeira vez misturado com despedida, a sensação de não saber se vou te ver de novo mais tarde, amanhã ou nunca mais. Ou semana que vem sendo o furacão de outra pessoa no bar mal pintado lá no centro da cidade. Nada, nada disso me interessa.

Com você sou corajoso, escolhido como sua terra para fazer morada, ainda que breve. Lisonjeado com seus olhares, afetos, palavras, trocas, lambidas, beijos e mordidas. Com você vale a pena, o tempo que for. E se quiser ficar, se desfazer furacão pra virar chuva mansa batendo no meu telhado, eu me acostumo com a calmaria. Porque com você, qualquer garoa é tempestade dentro de mim.

 
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